Estava na mesma reunião estúpida do trabalho. Aquela monotonia, papéis na minha mesa a fim de serem lidos e assinados. Eu sempre fui o cara que despachava a carga para fora do país. Consegui esse emprego por intermédio de papai, Augusto Noberto Lopes, a quem o doutor Cirilo Guedes sempre teve paixão. Papai era um cara honesto, trabalhador. Eu nada tive de reclamar do meu pai, nesse pouco de vida em que passamos juntos. Dos meus 17 até os 22, papai viveu ao meu lado. Quando ele morreu tudo desabou. Quase entro em uma depressão profunda. Mas o doutor Cirilo me acolheu em sua própria casa, me deu comida, me deu uma bela vida, me deu um emprego, me deu amor. Mas isso não vem ao caso. O negócio é que o doutor Cirilo é como um pai para mim, faz de tudo por mim. Me trata com tanto carinho. Acho que isso é o que vale da vida.
Pois que voltemos à reunião. A minha gravata tava muito apertada. Eu estava quase sufocando naquela sala, e é porque ela tem ar condicionado,hein. Bem, eu estava com muito calor. Assinando papéis, lendo requisições, pedidos. De repente, doutor Cirilo entra apressado:
- Tobias, cadê os relatórios que eu te pedi ontem?
- Calma, doutor Cirilo, estão aqui em cima da mesa. Eu fiz para o senhor!
- Todo mundo me pede calma nessa merda dessa empresa, mas ninguém faz nada para mim. Todos os dias, a mesma coisa. O jeito vai ser demitir!
- Doutor Cirilo, o senhor está muito estressado.
- Desculpe, garoto. Você é o que mais trabalha por aqui e eu vindo falar dos meus problemas para você.
Eu percebi que o doutor Cirilo tinha algo de perturbador naquele dia. Ele estava realmente muito estressado. Levantei-me da cadeira, fui até onde ele estava sentado, em frente ao meu birô. Coloquei a minha mão de leve no ombro direito dele:
- Pode contar comigo, doutor, para tudo. O senhor sabe que eu lhe tenho como um pai. Desde que papai morreu, que o senhor me dá todo apoio. Eu vou lembrar isso para sempre.
- Eu sei, querido. Eu sei que posso contar com você. Eu apenas estou com uma sobrecarga de trabalho. Acho que vou tirar o resto do dia de folga.
Aí tem coisa, falei para mim mesmo. Doutor Cirilo tirando folga e por causa de cansaço? Quase impossível de acontecer. Em mais de 6 anos naquela empresa, ele nunca havia tirado meia hora sequer de folga. Eu estranhei aquela atitude, e fechei comigo mesmo de passar mais tarde na frente da casa do doutor,fazer uma visita a ele.
Ele saiu da minha sala e foi direto para o carro. Eu fiquei vendo pela persiana, que dava até o estacionamento. Fiquei imaginando o que tiraria o doutor da empresa por causa de cansaço. Fui até Rosana, a minha secretária, a fim de escavacar alguma notícia:
- Bom dia, Rosana!
- Boa tarde, doutor Lopes. Como vai?
- Vou bem... ér, dona Rosana...
- Senhorita, por favor!
- Pois bem...Venha até a minha sala!
Eu fui primeiro, abri a porta, sentei atrás do birô, na minha cadeira executiva. Rosana veio e sentou em frente a mim, no mesmo assento onde havia sentado o doutor:
- Rosana, você sabe porque eu te chamei aqui?
- Alguma coisa que eu fiz, doutor?
- Não. Eu quero falar sobre o doutor Cirilo. Algumas informações.
- Se eu puder ajudar doutor...
- Você sabe o que se passa com ele?
- Olhe doutor, não sou de me meter na vida de ninguém, mas uma coisa andam comentando nos corredores: Ele está muito misterioso!
- Só isso?
-Somente.
- Ok! Obrigado Rosana.
De nada serviu Rosana naquele momento. Minha cabeça agora estava a mil por hora. Passava das 3 da tarde, quando eu coloquei o meu terno por cima do ombro, afrouxei a gravata um pouco, desabotoei 2 botões da camisa, e desci para o carro, no estacionamento. Eu precisava ir na casa do doutor Cirilo para saber o que estava acontecendo. Entrei no carro, dei a partida. Eram 20 minutos até a casa do doutor. Chegaria logo. Coloquei Angra no cd player, e fui martelando a ideia na cabeça. Pensamentos sobre o doutor Cirilo vinham direto na minha cabeça. Na minha mente, ele estava doente, muito doente; outra hora, na mesma mente, ele estava era extasiado de tudo. O fato é que eu precisava saber.
A casa estava com a porta da frente entreaberta. Estacionei o meu golf na calçada. Desci do carro. Nenhum barulho na rua. Abri novamente a porta do carro, depositei o meu terno lá. Eu tinha esquecido-o no meu ombro. Tranquei tudo e subi as escadinhas que davam acesso à casa do doutor. Tudo estava quieto demais. Apertei a campainha. Nada. Apertei novamente. Nada.Resolvi entrar na casa. Abri um pouco a porta, pus a cabeça para dentro, certifiquei-me que na sala não havia ninguém. Era a mesma casa de sempre. A televisão onde sempre esteve, deu até vontade de chorar. Fui entrando, entrando, e cada vez mais, até que uma voz lá de dentro chamou: “ Entre, meu filho, essa casa também é sua”. Era o doutor! Reconheci logo.
- Doutor Cirilo, o senhor está bem?
- Claro que sim. Agora feche a porta da frente. Eu sabia que você viria.
Obedeci. Fechei a porta da frente. Passei a chave duas vezes para garantir. De novo, o doutor gritou lá de dentro: “ Eu estou no banheiro. Daqui a pouco eu saio”. Sentei-me no sofá. Uma demora danada. Eu sentei e levantei várias vezes ao longo de 40 minutos. Não aguentando mais, resolvi entrar mais um pouco na casa. Fui até a cozinha, servi um refresco que estava dentro da geladeira e tomei. Passei a mão na mobília, vi que estava empoeirada, passei um dedo no outro para tirar o pó. A porta do quarto aberta me chamou atenção. Fui entrando, sem delongas. Fui passando as mãos pelas paredes e entrando. O doutor estava no banho, dava para perceber o chuveiro ligado. A porta da suíte aberta, eu suava muito. Deitei na cama, abri uma velha revista que estava no criado mudo.
Saiu enrolado numa toalha de algodão, eu me levantei, ele logo falou:
- Nada melhor que um banho frio para acalmar,não acha?
- Claro.
- Não quer tomar um também?
- Seria ideal, doutor...
- Shhh! Doutor não, Cirilo.
E foi logo me abraçando carinhosamente. Me cheirou no cangote. A mão fria na minha cintura. Eu recuei para a cama, ele veio atrás. Deitamos. Aquele corpo peludo de Cirilo, agora sem toalha, roçando em mim. No começo, confesso que hesitei um pouco. Mas depois, a situação foi ficando inevitável a ponto de eu e ele estarmos agarrados, loucamente. Um beijo atrás do outro, uma vontade danada. Ele afrouxou o nó da minha gravata, e eu fui tirando minha camisa. O doutor estava inspirado naquela tarde. Ele me beijava euforicamente, passava a mão no meu peitoral. Eu arranhava suas costas.
Agora estávamos os dois nus, em cima da cama. Nos agarrando, nos amando. Todo o amor de pai que ele sentia por mim tinha virado aquilo tudo, mas na certa não era amor de pai desde o começo, era desejo. Tudo ficou claro naquela hora. Eu acariciava o seu pênis para cima e para baixo e ele continuava a me beijar. Ia me beijando, dizia que tava gostoso, pegou no meu pênis também.
Estava com a boca no meu orgão genital, causando um enorme prazer em mim. Todo o problema do doutor era esse. Todo o estresse do doutor era falta de amor, de compreensão e de sexo. Íamos pelas 5 da tarde, agarradinhos, o seu corpo peludo em cima do meu, cada pelinho me desejando mais e mais. Fizemos de tudo naquela cama. Ele passava o membro no meu bumbum e aquilo tudo era novo para mim. Trocamos posições por várias vezes.
Eram 7 horas da noite e nós ainda estávamos deitados, um agarradinho ao outro. Tomei coragem para falar:
- Adorei o que aconteceu hoje, Cirilo.
- Você é um amor, Tobias.
- Desde sempre que você sentia isso por mim?
- Sempre senti, mas sempre reprimi meu sentimento. Passava por você, via as suas namoradas e me matava de inveja. Hoje foi a gota. Hoje foi um dia maravilhoso, meu amor.
Certo. Tinha sido maravilhoso para os dois. Mas eu não podia sair dali, daquela cena, sem tomar uma atitude. Afastei seu braço de mim, disse que ia até o carro buscar um presente que eu tinha esquecido para ele, vesti-me, ele ficou esperando. Ainda lembro que me disse: “ Eu te amo,cara. Na certa, é uma coisa boa. Tudo que vem de você é bom”. Mas nem tudo era. Passei voado pela cozinha e pela sala, abri o carro. Abri o porta- luvas, achei o meu revólver que sempre deixei ali e não sabia quando ia precisar. Abri a coroa, coloquei duas balas. Eu ia dar um fim nisso tudo, eu tinha vergonha do que eu sentia, eu fiz de tudo para não sentir vergonha, mas não podia deixar aquilo por acontecido. Caminhei devagar, subi os degraus de acesso à casa, saltei pela sala. Dei duas voltas na porta, de chave, para nada ou ninguém entrar. Fui devagarinho, pela cozinha, entrando. O revólver em punho, baixo. Ia arrastando a mão esquerda pela parede, tenso.
O doutor deu um grito e na mesma hora eu disparei. O lençol todo sujou de sangue. Ele não morreu, os dois tiros pegaram no peito cabeludo. Ele estava agonizando. Para me certificar da morte, ainda desferi oito murros no rosto dele e, por fim, enrolei um lençol no seu pescoço e amarrei bem.
O doutor estava morto. Liguei para a polícia e fiquei sentado na beira da cama, esperando.
Os policiais chegaram, confessei tudo. Matei, matei mesmo. Matei porque era mal chefe, pagava mal, reclamava muito. Saí da casa algemado, toda a rua veio olhar o fato. Eu seria condenado, na certa, mas , a maior condenação, seria a de nunca mais amar.
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